sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Novos e velhos desafios


por Cláudia Carneiro da Cunha*
Fábio Grotz**
Washington Castilhos***

Três décadas de epidemia do HIV/Aids e os desafios persistem mesmo com os avanços biomédicos e a contínua mobilização de movimentos de direitos humanos. Na semana em que se comemorou mais um Dia Mundial de Luta contra a Aids (01/12), dados lançados pelo Ministério da Saúde brasileiro mostram que a infecção pelo vírus aumentou mais de 50% entre a população de 15 a 24 anos nos últimos seis anos. Relatório da UNAIDS de meados deste ano já apontava o crescimento de 11% nos casos de infecção entre a população brasileira de 2005 a 2013, tendência oposta à média mundial (infecções diminuíram 13% nos últimos três anos). Esse cenário evidencia tanto os limites e fragilidades da resposta à epidemia quanto a necessidade de reflexão sobre as formas de mobilização para enfrentar a situação.

Desde os anos 1990, a produção de antirretrovirais (ARVs) tem sido crescente e figurado como ferramenta central para o enfrentamento global da epidemia. A partir de 1996, o Ministério da Saúde brasileiro passou a distribuir gratuitamente e de forma universal a medicação ARV na rede pública de saúde. No ano passado, a oferta do coquetel para todos os indivíduos diagnosticados com o vírus – independe da manifestação da doença – tornou-se regra do protocolo clínico e das diretrizes terapêuticas. A aposta biomédica contra a epidemia tem sido a tônica mundial, conforme demonstra decisão desta semana da Organização Mundial da Saúde (OMS) de expandir a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) para todos os indivíduos envolvidos em situação de risco de transmissão, e não mais apenas para aquelas pessoas vítimas de estupro ou envolvidas em acidentes ocupacionais com agulhas contaminadas. Em julho, a OMS já tinha definido novas diretrizes, recomendando a algumas populações-chave – como homens que fazem sexo com homens (HSH), trabalhadores/as do sexo e indivíduos transgêneros – a ingestão de ARV como método de prevenção, a chamada Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).

Nesse cenário, cabe interrogar-se sobre o panorama brasileiro. Por que as estratégias de prevenção não têm dado certo? Por que no Brasil a infecção entre os jovens vem crescendo em uma velocidade bem maior que da população geral? Especialistas afirmam que a expansão da epidemia, sobretudo entre os jovens, tem como motivo principal um comportamento sexual menos preocupado com a doença, por estes acreditarem que hoje ninguém mais morra de Aids, ou que se contrair o vírus é só tomar o remédio – disponível para todos no Sistema Único de Saúde (SUS) – e estará tudo bem, aspectos descritos por pesquisadores como “banalização da AIDS” e “otimismo”.

De fato, os avanços biomédicos alteraram, em alguma medida, a representação dominante do início da epidemia de que ter o vírus significava uma “sentença de morte”. No entanto, isso não explica integralmente a situação. Pelo contrário, a responsabilização pode ser um caminho que ofusca as fragilidades da rede pública de saúde, não reflete criticamente a respeito da concepção das estratégias de prevenção e ignora, por fim, as relações de opressão e marginalização baseadas em desigualdades de gênero, cor/raça, sexo, renda, entre outros marcadores sociais da diferença, que vulnerabilizam mais alguns indivíduos e grupos em comparação a outros.

A omissão e o descuido em relação às desigualdades sociais de diversas ordens que marcam a sociedade brasileira são fatores importantes para a compreensão do crescimento da epidemia no país. Também os problemas na rede pública de saúde compõem esse cenário, pois são comuns denúncias de atendimentos precários e falta de remédios em unidades de saúde em diversos Estados.

Nos últimos anos, à medida que a alternativa medicalizante tem sido priorizada pelos gestores, a perspectiva de direitos humanos tem sido enfraquecida. Isso é notável nos recuos do governo federal em campanhas recentes de prevenção destinadas a grupos vulneráveis (como HSH e travestis - e prostitutas).

Desde a aparição da doença nos anos 1980, a luta contra o estigma e o preconceito tem sido uma bandeira central para os movimentos de combate à doença, pautados nos direitos humanos. Ser portador do vírus implicava – e ainda implica – forte carga moral por associar os soropositivos a uma série de estigmas, tais como o da culpa pela infecção e o da figura sexualmente desviante, promíscua e “perigosa” para a população como um todo. Tais estigmas recaíram de maneira flagrante sobre os homossexuais, nos primeiros momentos da epidemia, imagens que foram afastadas devido à forte ação desses mesmos movimentos. Por isso, a concepção de direitos humanos constitui uma ferramenta importante, pois o estigma é, em si, um forte obstáculo à prevenção e ao tratamento da Aids, conforme uma série de estudos demonstram.

Prova disso é o aumento da epidemia entre as mulheres. Os homens continuam sendo os mais afetados pelo vírus, mas a diferença em relação a elas caiu ao longo dos anos: em 1989, a proporção era de seis casos da doença no sexo masculino para cada caso no sexo feminino. Em 2011, a proporção passou a ser de 1,7 casos em homens para cada mulher infectada: um cenário em que a vulnerabilidade social é fator importante para a análise, na medida em que as relações desiguais de gênero colocam a mulher em situação vulnerável, por exemplo, na hora de negociar a camisinha com seu parceiro.

Com relação a outros grupos vulneráveis – como os jovens – uma das ações mais notáveis é a dos jovens vivendo com HIV/Aids, que tem protagonizado ações junto a gestores, profissionais de saúde e movimentos sociais, através da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids (RNAJVHA), e das Redes Regionais e Estaduais filiadas à RNAJVHA . A proposta é pautada pela ideia de fortalecer esses indivíduos em termos políticos e sociais, apostando na atenção integral à saúde como maneira de demonstrar que a doença não significa morte. No entanto, conforme a antropóloga Cláudia Cunha analisou em seu estudo de doutorado, a iniciativa apresenta alguns problemas, como o “fantasma” da responsabilização ao gerar, através da operação de protagonismo, o contra-efeito de produzir socialmente indivíduos percebidos como “descontrolados”, “irresponsáveis” e potencialmente “perigosos”.

Nesse contexto, o cenário brasileiro situa-se em um momento paradoxal: contrariamente à tendência mundial de redução de novas infecções e ao forte investimento em prevenção biomédica, o país assiste à expansão da epidemia, notadamente entre populações vulneráveis. A sociedade civil e os movimentos sociais têm demandado mudanças nas estratégias de prevenção e tratamento. De um lado, a taxa de mortalidade reduz-se (caiu 13% entre 2000 e 2013, de acordo com o Ministério da Saúde) – o que pode ser lido como um atestado de eficácia da medicação ARV. Do outro lado, o vírus continua a circular por novos corpos em um ritmo considerável. Quais são, nesse sentido, as respostas adequadas para dar conta dessa realidade? O Ministério da Saúde lançou no dia 01/12 a campanha “#Partiu teste”, voltada para a população jovem em um esforço para que o número estimado de pessoas que desconhecem sua soropositividade (150 mil, segundo o Ministério da Saúde) diminua. Talvez as respostas para o panorama atual sejam ampliar os esforços para além da ação biomédica, através de ações que também priorizem a dimensão social da epidemia e que sejam baseadas na ideia de direitos humanos. Assim, é possível que se saiba, de fato, quem são os jovens que irão “partir para o teste” e quais as suas realidades.

A saída pra essa situação não é simples e tampouco nova. Desde o início da década de 90, o conceito de vulnerabilidade aplicado ao contexto da epidemia já sinalizava para a importância de compreender que a AIDS varia de região para região do mundo, estando diretamente relacionada aos contextos sociais, notadamente aqueles marcados pela pobreza e desigualdade social. Assim, no contexto brasileiro, os riscos de infecção pelo HIV aos quais estão submetidos jovens de camadas médias e altas e aqueles de camadas populares são bastante diferentes. O contexto onde se pratica o sexo, com que tipo de parceiro(s), premido por determinados roteiros sexuais culturalmente marcados, submetido ou não a situações de coerção e violência, com ou sem acesso a serviços de saúde, resultam em distintas possibilidades de “se prevenir” da doença. É preciso então, no que tange à prevenção, retomar a velha receita de atentar para os valores culturais e contextos de vida dos indivíduos, aqueles mesmos que os tornam atores sociais.

* Cláudia Carneiro da Cunha é antropóloga, pós-doutoranda em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

** Fábio Grotz é jornalista, mestre em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2013).

*** Washington Castilhos é jornalista e ativista pelos direitos sexuais, pós-graduado em Gênero e Sexualidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011).

Publicada em: 04/12/2014

Cabeça Pra Cima - HIV 25-02-2014 Mara Moreira com Dr. Gustavo

A Cura da AIDS

A cura da Aids

*por Richard Parker

Texto publicado originalmente no site da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids

Vinte anos se passaram desde que Herbert de Souza, o Betinho, o fundador da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), lançou o livro de crônicas A Cura da AIDS, em 1994. Como o título anunciou, ainda que fosse num tempo em que não havia tratamentos eficazes disponíveis, Betinho entendeu o quão importante era a perspectiva de uma cura da AIDS, não apenas para aqueles que vivem com HIV, mas para todos que buscavam proteger a si mesmos e também aqueles que amam: “de repente, percebi que tudo havia mudado por causa do anúncio de uma cura. Eu percebi que a ideia da morte inevitável paralisa. Eu percebi que a ideia de vida motiva… mesmo assim a morte é inevitável, como todos nós sabemos.” (Betinho, O Dia da Cura, 1994)

Na época, Betinho obviamente sabia que ainda não havia uma verdadeira cura para o HIV, mas acreditava, com total convicção, que algum dia haveria. Ele sabia do tamanho da violência que o estigma e a discriminação nos casos de HIV e AIDS podem causar no ser humano. E acreditava tão firmemente que, enquanto trabalhamos para encontrar a cura, a solidariedade é a vacina mais eficaz contra o vírus ideológico do preconceito e da intolerância. De uma forma única, Betinho acreditava na possibilidade de superar a adversidade – de imaginar um futuro que gostaríamos de viver – e de lutar todos os dias para torná-lo realidade. Mais do que qualquer coisa, ele acreditava que o Brasil poderia ser um exemplo brilhante do que há de melhor no mundo para ser oferecido em resposta à epidemia. Como ele escreveu em 1989, há exatos 25 anos: “O Brasil, através de segmentos representativos, por suas características e potencialidades, pode-se constituir num exemplo de mobilização… Difundindo uma outra visão sobre a epidemia que restaure a cura como perspectiva e a solidariedade como princípio de todo o trabalho de prevenção.” (Betinho, “Políticas Públicas e AIDS”, 1989)

De lá para cá, muitas coisas mudaram. A cura ainda não foi descoberta, mas já percorremos um longo caminho. Desde 1996, surgiram tratamentos antirretrovirais cada vez mais eficazes – no caso brasileiro, quando é garantido o acesso ao sistema de saúde pública – e capazes de transformar a infecção pelo HIV em uma doença crônica e controlável. O Brasil aprovou uma lei que garante o acesso aos medicamentos para todos e que respeita este direito humano fundamental. E, graças a lutas por acesso ao tratamento em vários países, tem sido cada vez mais reconhecido que toda vida humana é importante, e que ninguém, seja rico ou pobre, deve ter negado o acesso aos medicamentos que podem salvá-lo. Ainda não alcançamos o acesso universal em todos os países – e há muito a ser feito neste sentido – mas podemos comemorar o fato de que, neste momento, 13.6 milhões [3] de pessoas no mundo têm acesso ao tratamento de HIV. Isso, embora continuemos a lutar para que 21.4 milhões [4] de pessoas infectadas e que permanecem sem o acesso, tenham garantidos seus direitos no futuro, especialmente se trabalharmos para que isso se torne realidade.

Assim como tem ocorrido avanços, há também conquistas relevantes em relação à prevenção. E mais uma vez, a receita de Betinho para o sucesso tem sido central: as realizações mais poderosas em relação à prevenção do HIV vêm do sentimento de solidariedade, que se baseia no respeito pela diversidade e pela diferença. É baseado no espírito de solidariedade que programas de prevenção têm sido desenvolvidos por e para até mesmo as populações mais marginalizadas e estigmatizadas. E reconhecem, de forma consistente, que todas as vidas importam e que todos os grupos e comunidades merecem tanto o acesso à prevenção quanto ao tratamento. Ambos devem ser garantidos como um direito. E como Betinho previu, por muitos anos, o Brasil foi um brilhante exemplo deste espírito: desenvolveu programas de prevenção com ousadia autoconsciente, impulsionou os limites da discussão aceitável através da criação de programas de educação e prevenção – com uma visão profundamente positiva da sexualidade e da diversidade sexual – e desenvolveu programas de redução de danos para o tratamento do uso de drogas no contexto da saúde pública. Tudo isso com uma visão próxima à da prevenção geral e numa perspectiva baseada em direitos, onde se reconhece a importância de alcançar a todos a fim de reduzir as vulnerabilidades e promover a inclusão social.

Ao compreender a prevenção do HIV como um exercício dos direitos humanos e da justiça social, o Brasil liderou o caminho no desenvolvimento de campanhas educativas progressistas sobre HIV para toda a população, incluindo os jovens – um dos grupos mais expostos aos riscos em relação à epidemia – e as demais populações-chaves vulneráveis, como os gays e outros homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. É necessário combater o estigma e a discriminação que mantém as populações vulneráveis longe dos serviços e apoios e construir uma resposta ao HIV e à AIDS com base no confronto às desigualdades estruturais. É preciso resgatar os princípios do direito e da inclusão, da solidariedade e da mobilização política.

Ao longo da última década, chegamos mais próximos da visão de Betinho de uma eventual cura para a AIDS. Agora temos um leque mais amplo de ferramentas que podem ser usadas para o tratamento e para a prevenção. Embora ainda ocorra a promoção do uso de preservativos como método central da prática eficaz de prevenção, hoje também é possível o acesso à profilaxia pós-exposição (PEP) – para quem necessita por qualquer motivo: seja porque o preservativo se rompeu ou porque não foi possível usar preservativos. Há ainda a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), em fase de testes no Brasil, mas que já está disponível para uso regular em muitos países. Sem dúvidas, a PrEP será uma parte cada vez mais importante do kit de ferramentas de prevenção do HIV no futuro. O tratamento ajuda na prevenção primária porque reduz a carga viral das pessoas que são HIV positivo. Portanto, o tratamento como prevenção (TasP) é uma parte central das estratégias para acabar com a epidemia de HIV em um futuro previsível. Em contextos onde a epidemia de HIV tem sido concentrada nas populações-chaves, realizar campanhas de prevenção combinada – que envolvem desde o tratamento eficaz até a promoção do uso do preservativo e mudanças estruturais para redução das vulnerabilidades – podem mover-nos notavelmente para controlar a epidemia. Com os avanços significativos que ocorreram no tratamento da infecção pelo HIV, a ciência e o atendimento clínico estão cada vez mais perto de perceber o que antes parecia um sonho utópico: a visão de Betinho de que um dia a cura da AIDS será anunciada. Não estamos lá ainda, mas hoje podemos compartilhar a convicção de Betinho de que um dia teremos a cura!

Apesar dos avanços, a forma como olhamos para a resposta ao HIV e AIDS no Brasil e no mundo em 2014, é motivo de preocupação. No Brasil, tem ocorrido o aumento de intervenções por parte dos movimentos conservadores que desejam voltar o relógio e negar a importância fundamental que Betinho deu ao princípio da solidariedade como fundamento para a resposta ao HIV e à AIDS. Nos últimos quatro anos, a bancada conservadora do Congresso brasileiro convenceu o governo Dilma a censurar e abortar campanhas importantes, destinadas a combater a homofobia e promover a democratização da informação para as populações vulneráveis da epidemia de HIV. Primeiro foi a campanha contra a homofobia nas escolas. Depois foi a campanha de prevenção de HIV para gays e pessoas jovens trans realizada durante o carnaval. Em seguida, foi a campanha desenhada por e para mulheres profissionais do sexo para promover seus direitos e prevenir o HIV. Em todos os casos, a justificativa para a suspensão foi o oposto do princípio da solidariedade: a preservação da família e dos bons costumes frente à suposta ameaça dos direitos sexuais e inclusão social.

Estes eventos nos lembram que não importa o quanto nós avançamos nos últimos 20 anos, não importa o quão perto, cientificamente, podemos estar da cura da AIDS: ainda estamos muito longe – no Brasil e no mundo – de derrotar o vírus ideológico que foi desencadeado pela epidemia do HIV. A menos que redobremos os esforços, corremos o risco de não encontrar a cura para a epidemia, mesmo depois de ter encontrado a cura para o HIV. A menos que nos comprometamos com a mobilização política de todos os setores da sociedade para a defesa do direito à inclusão social de todos grupos sociais – não importa quão diferentes seus valores e práticas possam ser da nossa – estamos destinados a falhar na derrota à epidemia de HIV, mesmo quando a cura da AIDS estiver ao nosso alcance. Isso, em última análise, é o sentido mais fundamental do princípio de solidariedade que Betinho tentou nos ensinar.

A base deste princípio está na crença na capacidade humana de compreender a dor e o sofrimento dos outros como se fosse a nossa. E porque vivenciamos como nossos, somos convidados a assumir a responsabilidade de uma luta coletiva. Uma luta que envolve a mobilização da sociedade e o enfrentamento do estigma e da discriminação. Ao comemorarmos o Dia Mundial de Luta contra a AIDS, neste 1º de dezembro de 2014, é hora de redobrar o compromisso com este princípio da solidariedade e com a visão de uma vida digna de ser vivida como ela é. Como Betinho pontuou: “De repente me dei conta de que a cura da AIDS sempre havia existido, como possibilidade, antes mesmo de existir como anúncio do fato acontecido, e que seu nome era vida. Foi de repente, como tudo acontece.”

* Diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, professor visitante do Instituto de Medicina Social da UERJ (RJ) e professor titular de Antropologia e Ciências Sociomédicas na Columbia University (EUA).

Publicada em: 03/12/2014

Vivendo com HIV - Sala de Convidados Entrevista

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

2 em 1 e ritonavir termoestável começam a ser distribuídos na próxima semana


2 em 1 e ritonavir termoestável começam a ser distribuídos na próxima semana
Medicamentos contribuirão para a adesão ao tratamento 
Conteúdo extra: Galeria de fotos
Boas novas para os pacientes brasileiros de HIV/AIDS: o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais (DDAHV) do Ministério da Saúde (MS) iniciará em breve a distribuição de duas novas formulações de medicamentos que contribuirão intensamente para o já reconhecido protagonismo brasileiro na resposta à epidemia.
O primeiro é o ritonavir 100 mg na apresentação termoestável, que já seencontra no Brasil desde a última segunda-feira, 3 de novembro, e cuja distribuição será iniciada ainda esta semana. Na apresentação termoestável – que pode ser mantida em temperatura de até 30°C –, o medicamento representa um grande avanço: até então, o remédio distribuído pelo Ministério da Saúde necessitava de armazenamento em câmara fria, com temperatura entre 2°C e 8°C. Evidentemente, a apresentação termoestável proporcionará maior comodidade aos pacientes em uso do medicamento e, consequentemente, melhor adesão ao tratamento, facilitando ainda a logística de armazenamento, distribuição e dispensação.
O MS distribui esse medicamento desde 1997, mas é a primeira vez que o disponibiliza em apresentação termoestável. “Antes, a dificuldade era o armazenamento, a distribuição do medicamento e o seu uso no cotidiano dos pacientes. A novidade beneficiará cerca de 60 mil pacientes”, afirmou o diretor do Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, Fábio Mesquita.
Dois em um – O Ministério da Saúde começará também a distribuir em dezembro o tenofovir 300 mg, composto com a lamivudina 300mg em um único comprimido – o chamado “2 em 1”. Assim como o “3 em 1”, que começou a ser distribuído recentemente, essa apresentação também irá melhorar a adesão ao tratamento, por facilitar a administração dos medicamentos. O medicamento 2 em 1 será disponibilizado somente para os pacientes que não têm indicação clínica de uso conjunto com efavirenz 600 mg.
O “2 em 1” de tenofovir e lamivudina é produzido nacionalmente e distribuído pela Farmanguinhos/Fiocruz. Atualmente, aproximadamente 75.000 pacientes estão em uso das monodrogas, utilizando 1 comprimido de tenofovir e 2 comprimidos de lamivudina 150 mg ao dia. “Com o uso da tecnologia, é possível obter medicamentos que facilitem cada vez mais a adesão do tratamento, buscando sempre a supressão da carga viral. Assim conseguiremos enfrentar a epidemia de HIV/AIDS com mais essa arma, trocando a ingestão de três comprimidos por apenas um”, afirmou o diretor. 

Estatística atualizada de Aids no Brasil

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Perícia mais ampla - Via Legal

Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV.

Departamento de DST, AIDS e Hepatites virais atualizou nesse mês de outubro o Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV. Essa primeira revisão da publicação, que foi editada pela primeira vez em 2013, obedece o que está definido na Portaria nº 29 de 17 de dezembro de 2013, que estabelece a revisão semestral do manual. A edição revisada está à disposição dos interessados em:  http://www.aids.gov.br/publicacao/2014/
-tecnico-para-o-diagnostico-da-infeccao-pelo-hiv.

Nessa 2ª edição, o manual incorpora mais um fluxograma, aprimora a redação do texto original e complementa as definições do glossário com termos que facilitam a compreensão do texto. Além dessas inovações, o Manual apresenta as políticas do Departamento, que visam a ampliação do diagnóstico e a inclusão das pessoas diagnosticadas e iniciadas  ao TASP - Tratamento como Prevenção (do inglês Treatment as Prevention - TasP).

O diretor do Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais afirma que "o Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV é uma ferramenta para orientar e subsidiar o profissional de saúde na correta realização do diagnóstico pela infecção do  HIV".


Dia do Médico: Ativistas prestam homenagem aos doutores que os inspiram a seguir em frente


Dia do Médico: Ativistas prestam homenagem aos doutores que os inspiram a seguir em frente
APOIO
alt

alt

alt

alt
 


alt18/10/2014 - 11h

Nesse sábado (18) se comemora o Dia do Médico, uma oportunidade de homenagear os profissionais que sempre estiveram na linha de frente das batalhas contra a aids, lidando com os maiores desafios impostos pela doença. São guerreiros e, ao mesmo tempo, anjos guardiões da vida, como define Marcio Villard, do Grupo Pela Vidda Rio de Janeiro. Fizemos a ele e a outros militantes do movimento de combate ao HIV/aids a seguinte pergunta: Qual é o médico que inspira você a lutar contra a aids? Veja o que eles responderam:





altalt


Vando Oliveira, coordenador da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+) do Ceará:
 No Dia doi Médico, minha homenagem é para a doutora Melissa Medeiros, infectologista do Hospital São José, em Fortaleza (CE). Pelo seu profissionalismo e pela maneira exemplar como atende seus pacientes que vivem com HIV/aids.


altaltCazu Barros, ator do Rio de Janeiro, ativista da Federação de Bandeirantes do Brasil (FOTO FB): Primeiramente, quero dar parabéns a todos os profissionais de saúde e manifestar a eles minha admiração e meu carinho. Minha lista de inspiradores seria imensa, começando pela doutora Maria Regina Cotrim Guimaraes, minha primeira médica. Mas, em especial, gostaria de homenagear a doutora Vera Pimenta, do Rio de Janeiro, pediatra que, ao longo de sua vida e carreira, vem se dedicando, voluntariamente, ao desenvolvimento e à saúde de crianças e jovens Bandeirantes, apoiando, incentivando e levando conhecimentos a elas sobre a prevenção das DST/aids, a quebra de preconceito e estigmas. Graças ã atuação dela unto ao Programa Saúde do Jovem da Federação de Bandeirantes do Brasil, nunca sofri preconceito ou qualquer tipo de constrangimento por ser soropositivo no meio desta grande família bandeirante.

altalt
altJosé Roberto (Betinho) Pereira, da ONG Bem-Me-Quer: Sobre o nome de um médico, imediatamente me veio à mente minha médica infectologista, doutora Denise Lotufo. Superatenciosa, com muitos anos de dedicação e experiência, ela participa de grandes discussões da saúde e detém grande conhecimento na área de assistência. Não é à toa que ela coordena a diretoria de Assistência do Programa Estadual de DST Aids de São Paulo. Outra médica muito querida, extremamente profissional e acima de tudo um ser humano de profunda generosidade, é a queridíssima doutora Zarifa Khoury, do Programa Municipal de DST Aids de São Paulo e chefe de uma das unidades da internação da infectologia do Hospital Emílio Ribas. A Zaza, como carinhosamente a chamo, é competentíssima, dedicada e um docinho de leite, como se diz no interior. Amo muito essas duas médicas, que merecem todo nosso respeito e admiração.

altaltJosé Araújo Lima, presidente do Espaço de Atenção Humanizada (Epah):Durante todos esses anos, encontrei muitos profissionais que mereciam a minha homenagem, mas quero destacar um que sempre foi para mim um misto de profissional e ativista: doutor Paulo Motta. Ele mora na cidade de Três Lagoas ( MS) e foi o responsável por atender os portadores de HIV na cidade. Como ginecologista, esse médico viu o primeiro caso de aids chegar em sua mão, depois de muitos profissionais recusarem o atendimento. Em pouco tempo, ele deixou de ser conhecido como ginecologista e passou a ser o “médico da aids”.
Com as dificuldades em realizar seu trabalho, doutor Paulo se inseriu no movimento contra aids e, além de criar um grupo assistencial chamado GAE-VIDA, passou a participar de encontros pelo Brasil e realizar atividades de ajuda mútua com os portadores. Hoje, com 79 anos e aposentado, doutor Paulo Motta será sempre uma referência para quem desejar somar ciência com solidariedade.

altalt

Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp)
: Nestes anos acompanhando o enfrentamento da epidemia tive a oportunidade de conhecer vários médicos comprometidos, que atuam com dedicação e amor à profissão, possibilitando ao paciente a confiança e, consequentemente, a melhoria da qualidade de vida. Neste aspecto, ressalto o trabalho da doutora Karen Morejon, infectologista do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP). Com seu trabalho, ela ganhou o respeito e a admiração de todos os seus pacientes.




altJair Brandão, da ONG Gestos, do Recife (PE): Tenho HIV desde os 18 anos. Hoje, estou com 41 e sou acompanhado desde 1997 pelo infectologista doutor Aderbal Vieira, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da UPE. Ou seja, faz 17 anos que ele me acompanha. Tenho uma grande admiração pela inteligência e principalmente pela paciência e pelo cuidado que doutor Aderbal tem comigo. O nosso diálogo é muito bom e quando me dá broncas, aceito, não fico chateado e reflito muito! Tenho certeza de que essa dedicação do meu médico comigo faz com que me fortaleça e me sinta seguro de que tem alguém, além de minha mãe, pensando e cuidando de mim. Acho que é por isso que no passado eu "relaxei" em alguns momentos. Mas aprendi muito e hoje, mesmo com os problemas pelos quais o hospital está passando, meu médico não mudou de forma alguma. Defendo sempre que a relação médico/usuário tem de ser transparente, sincera, crítica, construtiva, propositiva, humanizada, respeitosa de ambas as partes e informativa, ou seja integral.

altaltJucimara Moreira, do Grupo Pela Vidda Rio de Janeiro e do Movimento das Cidadãs PositHIVas: Existem vários médicos que gostaria de homenagear neste dia tão especial, como Leonardo Maia, Brenda Hoagland, Sandra Wagner, Valdiléia Veloso (foto), entre outros que, com seus esforços na luta contra esta epidemia, nos encorajam a continuar na luta. E que eles nunca desistam de nós, pois precisamos cada vez mais de médicos como estes: competentes, sem preconceito, valorosos nesta luta tão árdua e militantes nesta causa que não é só nossa e sim de todos nós. Precisamos cada dia mais de novos medicos que sejam infectados com o vírus da militância contra esta epidemia.





altalt

Marcio Villard, do Grupo Pela Vidda Rio de Janeiro
: Existem vários médicos que eu podería sugerir, mas a minha inspiração e a minha fortaleza é Marcia Rachid. Ela dispensa comentários no contexto de HIV/aids.“No confronto entre o rio e a rocha, o rio sempre ganha.... Não é graças a sua força, mas sim à sua perseverança...” (Anônimo) Assim são os nossos médicos! Feliz Dia dos médicos!




altalt

Beto Volpe, fundador da ONG Hipupiara, de São Vicente (SP):
 Marcos Montani Caseiro, médico infectologista, pesquisador e meu médico há muitos anos. É um híbrido entre o doutor House e o Path Adams. Ele age duro no tratamento, mas sem perder a ternura, jamais! Faz questão de se afeiçoar aos pacientes que, sem exceção, sentem o mesmo por ele. É um amigo que nos dá vida, para muito além do acompanhamento clínico.







altaltCida Lemos, do Movimento das Cidadãs PositHIVas: Quero homenagear meu medico, doutor Celso Ferreira Ramos Filho que, além de um excelente e competente profissional, é amigo, psicólogo, conselheiro e atencioso às reclamações dos pacientes. Quando, em 2000, descobri a minha sorologia e fui encaminhada a ele com a imunidade superbaixa e a carga de vírus altíssima. Graças aos conhecimentos e ao interesse dele estou viva para contar a história. Ainda este mês, durante uma consulta, ele me contou que há algum tempo não tem perdido, nem internado nenhum paciente com HIVaids, o que me deixou muito feliz porque confio totalmente na sua capacidade e principalmente na forma clara e direta como conversa explicando todas as dúvidas que temos. Algumas vezes nos encontramos em conferências, congressos, seminários e estes encontros me deram força e coragem para aprender como lidar com as adversidades pessoais, além de motivação para ajudar aqueles que necessitam de informaçao e carinho. Dr. Celso Ramos, parabéns pelo Dia do Médico e muita saúde para continuar sendo exemplo para os seus pacientes e nos dando a certeza de que podemos ter uma vida com qualidade.


altalt


Vando Oliveira, coordenador da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+) do Ceará:
 No Dia doi Médico, minha homenagem é para a doutora Melissa Medeiros, infectologista do Hospital São José, em Fortaleza (CE). Pelo seu profissionalismo e pela maneira exemplar como atende seus pacientes que vivem com HIV/aids.

 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Números atualizados sobre a AIDS/HIV - Atitude Abril (2014)

Lipodistrofia

13/08/2014 - 19h


A Agência de Notícias da Aids retoma nessa semana o tema lipodistrofia, síndrome que altera o físico das pessoas em tratamento de HIV/aids, provocando aumento de gordura em algumas partes (abdômem, peito e costas) e perda em outras (glúteos, rosto, pernas e braços). Essa série de matérias já abordou o que é a lipodistrofia (clique aqui para ler) ) e como a atividade física age na prevenção e na melhora do quadro (leia aqui).  Trazemos, agora, os depoimentos de pessoas que foram submetidas a tratamentos reparadores, como as cirurgias de preenchimento, feitas com polimetilmetacrilato (PMMA) e as de lipoaspiração. E também das que estão à espera deles. 

“A lipodistrofia atrapalha minha vida de recém-casada” 


“Tenho 37 anos, vivo com HIV há 19 e estou com uma lipodistrofia muito acentuada. Acumulei gordura no abdômen, nas costas e perdi nas pernas, nos braços e glúteos. Fico muito incomodada com meu aspecto físico, especialmente agora que estou recém-casada. Claro que atrapalha na atividade sexual, afinal, eu não me sinto à vontade na hora de me despir. 

Comecei a desenvolver o quadro há dez anos. Sempre soube que a forma de prevenir é com ginástica, mas aqui no Rio de Janeiro, onde moro, a saúde pública nunca considerou academia parte do tratamento. Eu tentei três academias particulares. Em cada uma que chegava, tinha de revelar minha sorologia e dar uma aula para os treinadores. Eu explicava tudo, falava do meu objetivo, pedia que dessem mais ênfase a determinados músculos. Até montavam, lá, um programa mas eles não sabem, não conhecem nossas necessidades, nem ouviram falar de lipodistrofia. Então, o resultado não vinha e eu acabava desistindo. 


Mais recentemente, tentei na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que eu saiba, o único lugar no Rio onde há um programa de atividade física voltado para pessoas vivendo com HIV. Acontece que fica muito longe da minha casa, o transporte se torna caro, sem contar que, no estágio que estou agora, só mesmo a cirurgia para resolver. 

Há quatro anos, consegui fazer o preenchimento facial na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que, hoje, não realiza mais esses procedimentos. No Rio, só há dois centros fazendo isso e uma hora falta material, noutra, profissional. Como eu, há muita gente com necessidade de reparação. Nós, ativistas, estamos lutando, encaminhamos a questão para várias comissões, temos debatido. Espero que, uma hora, o Rio de Janeiro acorde para essa urgência.” 
Jucimara Moreira, ativista do grupo Pela Vidda-RJ e representante estadual do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas
“Recuperei a minha dignidade”

“Comecei a tratar HIV há 15 anos. Cinco anos depois, já estava com um processo de lipodistrofia bem adiantado, primeiro, no rosto; depois, nos glúteos. Aquilo me incomodava, fui me deprimindo. Tive medo de que meus pais, que até hoje não sabem da minha soropositividade, descobrissem, não queria sair, ir à praia virou um tormento. 

Falei com a minha infectologista e ela me contou sobre uma médica que estava atendendo, cobrando apenas o material utilizado e os médicos estavam enviando seus pacientes para ela. Liguei e marquei uma consulta. Era a Suzana Barretto. Ela me explicou tudo e começou a fazer o preenchimento no rosto no mesmo dia. 

Passei um ano tratando o rosto, talvez tenha feito umas dez aplicações, porque tinha sulcos realmente muito profundos. Fiquei muito feliz com o resultado. Quando encontrava a Suzana, eu chorava de emoção e dizia que ela estava devolvendo a minha dignidade, a minha vontade de viver. 

Depois de um tempo, falei do glúteo murcho e disse que queria aplicar silicone. Ela explicou que podia preencher com a mesma substância utilizada no rosto, o polimetilmetacrilato (PMMA). Como era uma quantidade maior, eu bancaria uma metade e ela, a outra. Na época, o material custou R$ 7 mil. Bastaram duas aplicações e recuperei meu bumbum . A cada dois anos, eu volto lá para fazer um retoque, coisas leves, porque ela não deixa mexer muito, não gosta de exageros. Sou eternamente grato a ela.”
*Henrique Alves de Oliveira, engenheiro, 53 anos, São Paulo 

“O que é uma perna para quem tem aids?”


“Sou Silmara Retti, 46 anos, casada, escritora e fundadora do Instituto Blablablá Posithivo, que promove prevenção às DSTS/aids por meio de atividades culturais, esportivas, recreativas e para geração de renda em Ubatuba e região, no litoral de São Paulo.

Vivo com HIV desde 1999 e um dos momentos mais difíceis que passei foi quando percebi que minhas pernas estavam muito finas – aquilo me incomodou imensamente. Fiquei mais deprimida do que quando recebi o meu resultado positivo. Quase pirei! 

Não sabia o que era. Só sabia que a minha perna estava horrorosa e as pessoas começaram a me dar apelidos por causa daquilo. Sempre fui de levar tudo para o lado do humor, porém, aquela brincadeira me levou à exclusão total.

Falei com o meu médico infectologista e ele priorizou manter a minha carga viral indetectável. Procurei outros médicos, inclusive fora de Ubatuba, e só ouvi a mesma coisa: “fique feliz por estar viva! O que é uma perna para quem tem aids?”

Fui ficando triste, parei de trabalhar e me afastei de todos, parei de tomar os antirretrovirais para ver se melhorava. Imagine o que é viver numa cidade turística com mais de cem praias e não poder ir a uma, não ter vida social. Do nada, tive a ideia de riscar as minhas pernas com lâmina e depois enfaixá-las. Veja o meu desespero!

Já trabalhava no Programa de DST/Aids de Ubatuba, onde as pessoas tentavam me consolar, mas continuava sem saber o que era lipodistrofia. Descobri lendo a revista “Saber Viver” e fui buscar apoio com o infectologista Eduardo Franco. Ele, então, me indicou uma médica de São Paulo, a doutora Suzana Barretto. 

Com Suzana, eu me senti em casa! De cara, ela compreendeu o quanto aquilo tudo me afligia. Fiz diversas aplicações de PMMA na clínica dela, acho que mais de 50, nas partes superior e inferior das pernas. Após alguns meses, voltei a usar vestido.

Bom, isso já faz oito anos e tenho conseguido manter o efeito das aplicações. Aliás, sem muito esforço, porque tenho preguiça de malhar, fazer musculação, embora saiba que isso é importante na manutenção e na prevenção da lipodistrofia. 

Minha experiência foi muito importante para abrir possibilidades em Ubatuba. Fui a primeira pessoa vivendo com HIV a reivindicar o direito às aplicações com PMMA nos serviços públicos de saúde por acreditar que a autoestima faz parte da adesão ao tratamento. Depois disso, o dermatologista Alexandre Soffiatti fez um curso de especialização em lipodistrofia e meu marido, Sergio Rossi, foi o segundo paciente dele a aplicar o produto no rosto. Hoje, outras pessoas têm aqui a mesma oportunidade que tivemos.”
Silmara Retti, escritora e fundadora do Instituto Blablablá Posithivo, de Ubatuba (litoral SP)
“A lipodistrofia demorou a aparecer e assim que percebi procurei ajuda”

“Sou transexual, tenho 50 anos e tive o diagnóstico do HIV quando estava casada com um gringo, em 1996. Comecei imediatamente a tomar remédios. Era ainda o AZT. Depois, demorei para acertar uma combinação de antirretrovirais, sofri muito com efeitos colaterais mas a lipodistrofia demorou a aparecer, acho que porque eu sempre me cuidei , não vivo na noite, não tenho vícios. 

De uns três anos para cá, as maçãs do meu rosto começaram a murchar, o bumbum caiu um pouco, as pernas afinaram e desenvolvi uma giba nas costas. Comentei com minha médica do Instituto Emílio Ribas que aquilo me incomodava bastante. Ela me sugeriu ir a uma palestra com a dermatologista Luiza Keiko, eu fui e fiquei impressionada com o que ela falou sobre preenchimento. Na hora, pensei: ‘Quero fazer isso com ela’.

Eu falei para minha médica do meu desejo, ela me mandou para o cirurgião plástico Mário Warde e ele me encaminhou para fazer o preenchimento facial com a doutora Luiza. Ela foi de uma delicadeza ímpar comigo. Começou a aplicar o PMMA aos pouquinhos para que meu rosto, também aos poucos, fosse retomando o aspecto natural que tinha antes. 

Até hoje, continuo com as sessões de preenchimento, porque a doutora Luiza vai bem devagarzinho mesmo, vai aplicando pouquinho, com cuidado, nos pontos em que precisa, e espera para ver como ficou. Eu estou bem feliz com os resultados.

Com o doutor Mário eu fiz uma lipoescultura. Ele tirou a gordura das costas (a giba) e colocou nos meus seios, que ficaram com um formato lindo. Lá no Emílio Ribas, todo o mundo ficou encantado.

Eu me recuperei muito rapidamente da cirurgia. Fiz num dia e no outro, já levantei e fui para casa. Acho que as pessoas têm de procurar o melhor para elas. Eu sempre fui espiritualizada, aceito o que acontece comigo e, se tenho um problema, procuro resolver da melhor maneira possível. 

Mas, também, não me iludo. Não acho que é um bumbum lindo, um par de seios que vão trazer a felicidade. As pessoas só são felizes quando ficam bem e em paz com elas mesmas. Muitas querem se manter bonitas vivendo na noite. A noite, para quem tem HIV, não é saudável. A pessoa precisa se cuidar e não dá para fazer isso tendo vida desregrada.” 
Clara Ribeiro, artista plásticaSão Paulo

“Em um ano, envelheci cinco. Perdi a paz de espírito”

“Vivo com HIV desde 1994. Descobri minha sorologia aos 30 anos, já era casada e tinha dois filhos. Sou baixa, sempre fui magra, meu corpo sempre foi proporcional a estas características. E, então, depois de alguns anos tomando antirretroviral, comecei a desenvolver a lipodistrofia.
A princípio, não percebi a perda da massa muscular no corpo e no rosto, mas em um ano acabei envelhecendo cinco. Meu rosto murchou, minhas pernas e braços secaram. Fiquei horrível. Era como se a doença se apossasse de mim, me amedrontando, tirando minha paz de espírito. Sendo mulher com HIV e o corpo deformado fica quase impossível manter a alegria de viver.

Por muita sorte minha, a empresa em que eu trabalhava me proporcionou um tratamento à base de metacrilato na clínica Suzana Barretto, pagando pelo preenchimento facial e corporal que me devolveu a forma física e o rosto normal. Também pagou a academia onde fiz por dois anos e meio natação e musculação, pois só o tratamento não segura um resultado físico permanente -- são necessários exercícios e alimentação balanceada.

Depois de alguns meses de tratamento na clínica, comecei a ver minha fisionomia voltar ao normal, e isso foi me dando uma certa tranquilidade para continuar me sentindo ‘saudável’ e feliz.

Mas minha tristeza continua, ao ver tantas outras mulheres que sofrem muito com o problema. Mulheres que não têm a mesma sorte que eu tive. Elas não conseguem acessar os serviços de saúde reparatórios e cirúrgicos que deveriam absorver essa demanda.
Pior que isso é saber que a lipodistrofia pode ser evitada com a inclusão de algumas ações de prevenção nos tratamentos, assim como orientações de nutrição e exercícios. Também é preciso investir mais em estudos e descobrir remédios para substituir os que provocam essas alterações físicas tanto nas mulheres como nos homens vivendo com HIV/aids. Enfim, se os serviços públicos fossem mais ágeis e preparados, muitas tristezas seriam evitadas.”
Silvia Almeida, ativista do Movimento das Cidadãs PositHIVas e do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), São Paulo


“Descobri uma nova atividade, o slackline”


“Eu sempre tive preocupação com a lipodistrofia. Por volta do anos 2000, quando se começou a falar das alterações físicas associadas aos medicamentos, passei a buscar informações sobre como prevenir e tratar.

Fiquei feliz em saber que uma das ações de prevenção e diminuição da lipodistrofia se associava à prática de atividades físicas. Como sempre fui esportista -- praticava vôlei de praia, ciclismo e musculação -- tenho hoje um retorno muito bom e não apresento lipodistrofia acentuada. 

Por outro lado, ao longo dos anos, passei a me sentir mais cansado e menos disposto às atividades físicas. Mesmo assim, venho buscando alternativas para não parar de praticar esportes.
Depois de minha última internação, há um ano, em função de crise na vesícula, engordei uns 15 quilos e voltei para os exercícios físicos. Foi aí que eu descobri o slackline e suas várias modalidades.

Como estava recém-operado, dentro da minha capacidade de atividade e esforço físico, escolhi a modalidade de equilíbrio e meditação. Em um mês praticando, percebi uma grande mudança em meu físico e troquei todas as atividades que fazia antespelo slackline.

O slackline é um esporte de equilíbrio sobre uma fita de nylon presa pelas duas pontas, estreita e flexível, estendida geralmente a uma altura de 30 cm do chão. Sua origem vem da escalada. A base do slackline está na concentração de força abdominal com movimentação dos braços e pernas, trabalhando toda a musculatura, principalmente onde se concentram mais os efeitos da lipodistrofia, ou seja, abdômem, braços, glúteos e pernas.
Se você quiser saber mais, pode clicar aqui (https://www.youtube.com/watch?v=mPWGRlXsXkk) e ver o vídeo em que apareço praticando o exercício. Na verdade, minha meta é sambar na corda. Já estou bem avançado. Então, para o próximo carnaval de Paulo Barros (carnavalesco carioca), quem sabe. 
Cazu Barros é escritor, ator, protagonista de campanhas de aids e militante na luta contra a doença. Vive no Rio de Janeiro
“Queria que tirassem gordura do meu pai e injetassem no meu rosto”


“Claro que foram os antirretrovirais que causaram a lipodistrofia em mim. Não só a lipodistrofia, como outros efeitos colaterais horríveis, tantos que hoje estou numa situação complicada. Não existe mais esquema de remédio que me sirva e estou entrando na Justiça para conseguir um novo, que ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, se eu descobrisse o HIV hoje, eu não tomaria os remédios, aguentaria o máximo que eu pudesse.

Tenho 49 anos e me infectei em 1987, quando não tinha os antirretrovirais. Por sorte, consegui me manter sem remédios até 1996. Cinco anos depois de iniciar o tratamento, começaram a aparecer os sinais da lipodistrofia. 

Primeiro, o rosto afinou. Depois, afinaram as pernas, os braços. Fiquei tão preocupado que levei meu pai a um cirurgião plástico e perguntei se ele não podia tirar a gordura da barriga dele e injetar no meu rosto. Comecei a procurar informação e descobri um médico que fazia bioplastia. Entrei com recurso pedindo para o governo pagar o tratamento e ganhei. Fiz várias sessões, numa clínica particular. Acho que levei uns cinco anos para preencher rosto, pernas, glúteos e braços. 

No meu caso, depois de um tempo, o preenchimento no rosto perdeu um pouco o efeito. Então, eu procurei a doutora Luiza Keiko e ela fez alguns retoques. Na verdade, foram em três pontos do rosto, em duas etapas e ficou ótimo, nem parece que fiz algum procedimento.
O pior da lipodistrofia é que ela traz o estigma, porque todo o mundo olha e vê que a gente tem a doença, né? E, infelizmente, existe muito preconceito. No meio em que eu trabalho, o de moda, eu não posso revelar que vivo com HIV. Eu vejo tantas pessoas deformadas. Meu Deus, por que? Elas não precisariam estar assim se existe tratamento. “
*Mateus Cerqueira, São Paulo

*Os nomes de Henrique, Clara e Mateus foram trocados a pedido dos mesmos.

Dicas de entrevista:
Sílvia Almeida: (11) 9769-9078
Silmara Retti: (12) 9150-3448
Suzana Barretto: (11) 3887-4220
Luiza Keiko; (11) 5051-8584


Fátima Cardeal (fatima@agenciaaids.com.br)