quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Lipodistrofia

13/08/2014 - 19h


A Agência de Notícias da Aids retoma nessa semana o tema lipodistrofia, síndrome que altera o físico das pessoas em tratamento de HIV/aids, provocando aumento de gordura em algumas partes (abdômem, peito e costas) e perda em outras (glúteos, rosto, pernas e braços). Essa série de matérias já abordou o que é a lipodistrofia (clique aqui para ler) ) e como a atividade física age na prevenção e na melhora do quadro (leia aqui).  Trazemos, agora, os depoimentos de pessoas que foram submetidas a tratamentos reparadores, como as cirurgias de preenchimento, feitas com polimetilmetacrilato (PMMA) e as de lipoaspiração. E também das que estão à espera deles. 

“A lipodistrofia atrapalha minha vida de recém-casada” 


“Tenho 37 anos, vivo com HIV há 19 e estou com uma lipodistrofia muito acentuada. Acumulei gordura no abdômen, nas costas e perdi nas pernas, nos braços e glúteos. Fico muito incomodada com meu aspecto físico, especialmente agora que estou recém-casada. Claro que atrapalha na atividade sexual, afinal, eu não me sinto à vontade na hora de me despir. 

Comecei a desenvolver o quadro há dez anos. Sempre soube que a forma de prevenir é com ginástica, mas aqui no Rio de Janeiro, onde moro, a saúde pública nunca considerou academia parte do tratamento. Eu tentei três academias particulares. Em cada uma que chegava, tinha de revelar minha sorologia e dar uma aula para os treinadores. Eu explicava tudo, falava do meu objetivo, pedia que dessem mais ênfase a determinados músculos. Até montavam, lá, um programa mas eles não sabem, não conhecem nossas necessidades, nem ouviram falar de lipodistrofia. Então, o resultado não vinha e eu acabava desistindo. 


Mais recentemente, tentei na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que eu saiba, o único lugar no Rio onde há um programa de atividade física voltado para pessoas vivendo com HIV. Acontece que fica muito longe da minha casa, o transporte se torna caro, sem contar que, no estágio que estou agora, só mesmo a cirurgia para resolver. 

Há quatro anos, consegui fazer o preenchimento facial na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que, hoje, não realiza mais esses procedimentos. No Rio, só há dois centros fazendo isso e uma hora falta material, noutra, profissional. Como eu, há muita gente com necessidade de reparação. Nós, ativistas, estamos lutando, encaminhamos a questão para várias comissões, temos debatido. Espero que, uma hora, o Rio de Janeiro acorde para essa urgência.” 
Jucimara Moreira, ativista do grupo Pela Vidda-RJ e representante estadual do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas
“Recuperei a minha dignidade”

“Comecei a tratar HIV há 15 anos. Cinco anos depois, já estava com um processo de lipodistrofia bem adiantado, primeiro, no rosto; depois, nos glúteos. Aquilo me incomodava, fui me deprimindo. Tive medo de que meus pais, que até hoje não sabem da minha soropositividade, descobrissem, não queria sair, ir à praia virou um tormento. 

Falei com a minha infectologista e ela me contou sobre uma médica que estava atendendo, cobrando apenas o material utilizado e os médicos estavam enviando seus pacientes para ela. Liguei e marquei uma consulta. Era a Suzana Barretto. Ela me explicou tudo e começou a fazer o preenchimento no rosto no mesmo dia. 

Passei um ano tratando o rosto, talvez tenha feito umas dez aplicações, porque tinha sulcos realmente muito profundos. Fiquei muito feliz com o resultado. Quando encontrava a Suzana, eu chorava de emoção e dizia que ela estava devolvendo a minha dignidade, a minha vontade de viver. 

Depois de um tempo, falei do glúteo murcho e disse que queria aplicar silicone. Ela explicou que podia preencher com a mesma substância utilizada no rosto, o polimetilmetacrilato (PMMA). Como era uma quantidade maior, eu bancaria uma metade e ela, a outra. Na época, o material custou R$ 7 mil. Bastaram duas aplicações e recuperei meu bumbum . A cada dois anos, eu volto lá para fazer um retoque, coisas leves, porque ela não deixa mexer muito, não gosta de exageros. Sou eternamente grato a ela.”
*Henrique Alves de Oliveira, engenheiro, 53 anos, São Paulo 

“O que é uma perna para quem tem aids?”


“Sou Silmara Retti, 46 anos, casada, escritora e fundadora do Instituto Blablablá Posithivo, que promove prevenção às DSTS/aids por meio de atividades culturais, esportivas, recreativas e para geração de renda em Ubatuba e região, no litoral de São Paulo.

Vivo com HIV desde 1999 e um dos momentos mais difíceis que passei foi quando percebi que minhas pernas estavam muito finas – aquilo me incomodou imensamente. Fiquei mais deprimida do que quando recebi o meu resultado positivo. Quase pirei! 

Não sabia o que era. Só sabia que a minha perna estava horrorosa e as pessoas começaram a me dar apelidos por causa daquilo. Sempre fui de levar tudo para o lado do humor, porém, aquela brincadeira me levou à exclusão total.

Falei com o meu médico infectologista e ele priorizou manter a minha carga viral indetectável. Procurei outros médicos, inclusive fora de Ubatuba, e só ouvi a mesma coisa: “fique feliz por estar viva! O que é uma perna para quem tem aids?”

Fui ficando triste, parei de trabalhar e me afastei de todos, parei de tomar os antirretrovirais para ver se melhorava. Imagine o que é viver numa cidade turística com mais de cem praias e não poder ir a uma, não ter vida social. Do nada, tive a ideia de riscar as minhas pernas com lâmina e depois enfaixá-las. Veja o meu desespero!

Já trabalhava no Programa de DST/Aids de Ubatuba, onde as pessoas tentavam me consolar, mas continuava sem saber o que era lipodistrofia. Descobri lendo a revista “Saber Viver” e fui buscar apoio com o infectologista Eduardo Franco. Ele, então, me indicou uma médica de São Paulo, a doutora Suzana Barretto. 

Com Suzana, eu me senti em casa! De cara, ela compreendeu o quanto aquilo tudo me afligia. Fiz diversas aplicações de PMMA na clínica dela, acho que mais de 50, nas partes superior e inferior das pernas. Após alguns meses, voltei a usar vestido.

Bom, isso já faz oito anos e tenho conseguido manter o efeito das aplicações. Aliás, sem muito esforço, porque tenho preguiça de malhar, fazer musculação, embora saiba que isso é importante na manutenção e na prevenção da lipodistrofia. 

Minha experiência foi muito importante para abrir possibilidades em Ubatuba. Fui a primeira pessoa vivendo com HIV a reivindicar o direito às aplicações com PMMA nos serviços públicos de saúde por acreditar que a autoestima faz parte da adesão ao tratamento. Depois disso, o dermatologista Alexandre Soffiatti fez um curso de especialização em lipodistrofia e meu marido, Sergio Rossi, foi o segundo paciente dele a aplicar o produto no rosto. Hoje, outras pessoas têm aqui a mesma oportunidade que tivemos.”
Silmara Retti, escritora e fundadora do Instituto Blablablá Posithivo, de Ubatuba (litoral SP)
“A lipodistrofia demorou a aparecer e assim que percebi procurei ajuda”

“Sou transexual, tenho 50 anos e tive o diagnóstico do HIV quando estava casada com um gringo, em 1996. Comecei imediatamente a tomar remédios. Era ainda o AZT. Depois, demorei para acertar uma combinação de antirretrovirais, sofri muito com efeitos colaterais mas a lipodistrofia demorou a aparecer, acho que porque eu sempre me cuidei , não vivo na noite, não tenho vícios. 

De uns três anos para cá, as maçãs do meu rosto começaram a murchar, o bumbum caiu um pouco, as pernas afinaram e desenvolvi uma giba nas costas. Comentei com minha médica do Instituto Emílio Ribas que aquilo me incomodava bastante. Ela me sugeriu ir a uma palestra com a dermatologista Luiza Keiko, eu fui e fiquei impressionada com o que ela falou sobre preenchimento. Na hora, pensei: ‘Quero fazer isso com ela’.

Eu falei para minha médica do meu desejo, ela me mandou para o cirurgião plástico Mário Warde e ele me encaminhou para fazer o preenchimento facial com a doutora Luiza. Ela foi de uma delicadeza ímpar comigo. Começou a aplicar o PMMA aos pouquinhos para que meu rosto, também aos poucos, fosse retomando o aspecto natural que tinha antes. 

Até hoje, continuo com as sessões de preenchimento, porque a doutora Luiza vai bem devagarzinho mesmo, vai aplicando pouquinho, com cuidado, nos pontos em que precisa, e espera para ver como ficou. Eu estou bem feliz com os resultados.

Com o doutor Mário eu fiz uma lipoescultura. Ele tirou a gordura das costas (a giba) e colocou nos meus seios, que ficaram com um formato lindo. Lá no Emílio Ribas, todo o mundo ficou encantado.

Eu me recuperei muito rapidamente da cirurgia. Fiz num dia e no outro, já levantei e fui para casa. Acho que as pessoas têm de procurar o melhor para elas. Eu sempre fui espiritualizada, aceito o que acontece comigo e, se tenho um problema, procuro resolver da melhor maneira possível. 

Mas, também, não me iludo. Não acho que é um bumbum lindo, um par de seios que vão trazer a felicidade. As pessoas só são felizes quando ficam bem e em paz com elas mesmas. Muitas querem se manter bonitas vivendo na noite. A noite, para quem tem HIV, não é saudável. A pessoa precisa se cuidar e não dá para fazer isso tendo vida desregrada.” 
Clara Ribeiro, artista plásticaSão Paulo

“Em um ano, envelheci cinco. Perdi a paz de espírito”

“Vivo com HIV desde 1994. Descobri minha sorologia aos 30 anos, já era casada e tinha dois filhos. Sou baixa, sempre fui magra, meu corpo sempre foi proporcional a estas características. E, então, depois de alguns anos tomando antirretroviral, comecei a desenvolver a lipodistrofia.
A princípio, não percebi a perda da massa muscular no corpo e no rosto, mas em um ano acabei envelhecendo cinco. Meu rosto murchou, minhas pernas e braços secaram. Fiquei horrível. Era como se a doença se apossasse de mim, me amedrontando, tirando minha paz de espírito. Sendo mulher com HIV e o corpo deformado fica quase impossível manter a alegria de viver.

Por muita sorte minha, a empresa em que eu trabalhava me proporcionou um tratamento à base de metacrilato na clínica Suzana Barretto, pagando pelo preenchimento facial e corporal que me devolveu a forma física e o rosto normal. Também pagou a academia onde fiz por dois anos e meio natação e musculação, pois só o tratamento não segura um resultado físico permanente -- são necessários exercícios e alimentação balanceada.

Depois de alguns meses de tratamento na clínica, comecei a ver minha fisionomia voltar ao normal, e isso foi me dando uma certa tranquilidade para continuar me sentindo ‘saudável’ e feliz.

Mas minha tristeza continua, ao ver tantas outras mulheres que sofrem muito com o problema. Mulheres que não têm a mesma sorte que eu tive. Elas não conseguem acessar os serviços de saúde reparatórios e cirúrgicos que deveriam absorver essa demanda.
Pior que isso é saber que a lipodistrofia pode ser evitada com a inclusão de algumas ações de prevenção nos tratamentos, assim como orientações de nutrição e exercícios. Também é preciso investir mais em estudos e descobrir remédios para substituir os que provocam essas alterações físicas tanto nas mulheres como nos homens vivendo com HIV/aids. Enfim, se os serviços públicos fossem mais ágeis e preparados, muitas tristezas seriam evitadas.”
Silvia Almeida, ativista do Movimento das Cidadãs PositHIVas e do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), São Paulo


“Descobri uma nova atividade, o slackline”


“Eu sempre tive preocupação com a lipodistrofia. Por volta do anos 2000, quando se começou a falar das alterações físicas associadas aos medicamentos, passei a buscar informações sobre como prevenir e tratar.

Fiquei feliz em saber que uma das ações de prevenção e diminuição da lipodistrofia se associava à prática de atividades físicas. Como sempre fui esportista -- praticava vôlei de praia, ciclismo e musculação -- tenho hoje um retorno muito bom e não apresento lipodistrofia acentuada. 

Por outro lado, ao longo dos anos, passei a me sentir mais cansado e menos disposto às atividades físicas. Mesmo assim, venho buscando alternativas para não parar de praticar esportes.
Depois de minha última internação, há um ano, em função de crise na vesícula, engordei uns 15 quilos e voltei para os exercícios físicos. Foi aí que eu descobri o slackline e suas várias modalidades.

Como estava recém-operado, dentro da minha capacidade de atividade e esforço físico, escolhi a modalidade de equilíbrio e meditação. Em um mês praticando, percebi uma grande mudança em meu físico e troquei todas as atividades que fazia antespelo slackline.

O slackline é um esporte de equilíbrio sobre uma fita de nylon presa pelas duas pontas, estreita e flexível, estendida geralmente a uma altura de 30 cm do chão. Sua origem vem da escalada. A base do slackline está na concentração de força abdominal com movimentação dos braços e pernas, trabalhando toda a musculatura, principalmente onde se concentram mais os efeitos da lipodistrofia, ou seja, abdômem, braços, glúteos e pernas.
Se você quiser saber mais, pode clicar aqui (https://www.youtube.com/watch?v=mPWGRlXsXkk) e ver o vídeo em que apareço praticando o exercício. Na verdade, minha meta é sambar na corda. Já estou bem avançado. Então, para o próximo carnaval de Paulo Barros (carnavalesco carioca), quem sabe. 
Cazu Barros é escritor, ator, protagonista de campanhas de aids e militante na luta contra a doença. Vive no Rio de Janeiro
“Queria que tirassem gordura do meu pai e injetassem no meu rosto”


“Claro que foram os antirretrovirais que causaram a lipodistrofia em mim. Não só a lipodistrofia, como outros efeitos colaterais horríveis, tantos que hoje estou numa situação complicada. Não existe mais esquema de remédio que me sirva e estou entrando na Justiça para conseguir um novo, que ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, se eu descobrisse o HIV hoje, eu não tomaria os remédios, aguentaria o máximo que eu pudesse.

Tenho 49 anos e me infectei em 1987, quando não tinha os antirretrovirais. Por sorte, consegui me manter sem remédios até 1996. Cinco anos depois de iniciar o tratamento, começaram a aparecer os sinais da lipodistrofia. 

Primeiro, o rosto afinou. Depois, afinaram as pernas, os braços. Fiquei tão preocupado que levei meu pai a um cirurgião plástico e perguntei se ele não podia tirar a gordura da barriga dele e injetar no meu rosto. Comecei a procurar informação e descobri um médico que fazia bioplastia. Entrei com recurso pedindo para o governo pagar o tratamento e ganhei. Fiz várias sessões, numa clínica particular. Acho que levei uns cinco anos para preencher rosto, pernas, glúteos e braços. 

No meu caso, depois de um tempo, o preenchimento no rosto perdeu um pouco o efeito. Então, eu procurei a doutora Luiza Keiko e ela fez alguns retoques. Na verdade, foram em três pontos do rosto, em duas etapas e ficou ótimo, nem parece que fiz algum procedimento.
O pior da lipodistrofia é que ela traz o estigma, porque todo o mundo olha e vê que a gente tem a doença, né? E, infelizmente, existe muito preconceito. No meio em que eu trabalho, o de moda, eu não posso revelar que vivo com HIV. Eu vejo tantas pessoas deformadas. Meu Deus, por que? Elas não precisariam estar assim se existe tratamento. “
*Mateus Cerqueira, São Paulo

*Os nomes de Henrique, Clara e Mateus foram trocados a pedido dos mesmos.

Dicas de entrevista:
Sílvia Almeida: (11) 9769-9078
Silmara Retti: (12) 9150-3448
Suzana Barretto: (11) 3887-4220
Luiza Keiko; (11) 5051-8584


Fátima Cardeal (fatima@agenciaaids.com.br)

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