Programa de Aids no Brasil
enfrenta falhas e precisa ser 'replanejado'
Júlia
Dias Carneiro
Da BBC
Brasil no Rio de Janeiro
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/07/120724_aids_programa_brasil_jc_ac.shtml
Atualizado
em 25 de julho, 2012 - 12:15 (Brasília) 15:15 GMT
Pedro
Chequer, do Unaids no Brasil, diz que é preciso refletir sobre nova realidade
da epidemia
Apesar de
ser tido como um modelo de política de saúde pública no exterior, o programa
brasileiro de tratamento e prevenção da Aids vive uma fase de declínio e
precisa de um "replanejamento", alertam especialistas do setor.
"O
programa brasileiro tem que ser revisitado. Deve haver uma reflexão profunda
sobre a nova realidade da epidemia do país, e um redesenho das estratégias com
vistas ao acesso universal (ao tratamento)", diz Pedro Chequer,
coordenador no Brasil do Unaids, o programa da ONU contra a Aids.
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"Não
podemos ficar na percepção de que o programa caminhou bem e está bem. Temos
desafios novos e eles têm de ser enfrentados."
O
Programa Nacional DST/Aids começou a chamar a atenção do mundo em 1996, quando
o Brasil se tornou o primeiro país em desenvolvimento a determinar, por lei, o
acesso universal à terapia antirretroviral.
Entre
2003 e 2005, o modelo brasileiro foi reconhecida por prêmios da Fundação Bill e
Melinda Gates, da Organização Mundial da Saúde e da Unaids. Os resultados
costumam ser apresentados em encontros internacionais, como a Conferência
Internacional de Aids, em andamento até sexta-feira em Washington.
Problemas
A imagem
positiva se mantém, mas o aumento das denúncias de organizações da sociedade
civil vem alertando para uma realidade mais dura no âmbito local.
Entre os
problemas que vêm sendo apresentados estão falta de médicos, leitos e exames
para os pacientes; de medicamentos para tratar doenças causadas pelos
antirretrovirais; de recursos para ONGs; bem como episódios de desabastecimento
do coquetel em postos de saúde, obrigando os pacientes a interromper o
tratamento.
Para
Eduardo Gomez, pesquisador da Universidade Rutgers de Camden, em Nova Jersey, a
história de sucesso do programa brasileiro de Aids entrou em declínio nos
últimos anos por fatores como a saída de recursos internacionais e o
enfraquecimento da relação entre o governo e a sociedade civil.
"Historicamente,
o programa de Aids brasileiro tinha uma conexão forte com as ONGs, mas agora
elas estão sem recursos e sem motivação. O governo precisa delas para
conscientizar populações difíceis de atingir", diz Gomez, que pesquisa o
sistema de saúde público brasileiro.
'Desmantelamento'
Para o
psicólogo Veriano Terto Júnior, coordenador-geral da Associação Brasileira Interdisciplinar
de Aids (Abia), houve um desmantelamento na resposta brasileira à Aids.
"As
pessoas estão morrendo, as ONGs estão fechando as portas, os hospitais estão
terríveis e o governo federal está censurando suas próprias campanhas",
afirma.
Ele se refere
a dois episódios recentes nos quais o governo federal decidiu rever campanhas
sobre a prevenção do HIV. As mudanças foram vistas como uma atitude
conservadora, motivada por pressão, sobretudo, de grupos evangélicos.
Na
estatística nacional, a epidemia da Aids alcançou um estágio de relativa
estabilidade, atingindo cerca de 0,6% da população. Porém, a cada ano mais de
30 mil pessoas são infectadas – no ano passado, foram 33 mil. A epidemia cresce
no Norte, no Nordeste e no Sul.
Pedro
Chequer lembra que havia dúvidas sobre a capacidade do Brasil de financiar uma oferta
universal de antirretrovirais. Hoje, o país investe cerca de R$ 1,2 bilhão no
programa por ano, e este orçamento conta com apenas 0,25% de recursos
internacionais.
Alcance
Mas o
fato de a oferta ser universal não significa que alcance todos os soropositivos.
O Ministério da Saúde estima que 250 mil brasileiros tenham o vírus sem que
saibam.
"Nosso
investimento é para reduzir esse número, ampliar o número de diagnósticos e
aumentar o número de pessoas em atendimento", afirma Eduardo Barbosa,
diretor adjunto do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério
da Saúde. "Vamos ter que trabalhar para absorver esse novo grupo de
pessoas na rede."
Ativistas
do Grupo Pela Vidda reclamam de problemas como falta de exames para monitorar
eficácia do tratamento
À medida
que aumenta a longevidade de pessoas soropositivas, aumenta a demanda sobre a
rede de saúde pública, já que os pacientes não precisam apenas do tratamento
antirretrovirais. A terapia prolongada com o coquetel da Aids pode causar uma
série de efeitos colaterais, como diabetes, danos a órgãos vitais e
lipodistrofia (uma mudança na distribuição de gordura pelo corpo).
No
tratamento dessas doenças, pacientes esbarram em problemas típicos da rede
pública: falta de leitos, falta de remédios, falta de médicos. O programa
nacional foi descentralizado em 2003, e desde então conta com Estados e
municípios para executar as políticas na ponta.
"Ainda
temos vários gargalos a serem resolvidos. Os hospitais estão realmente
sobrecarregados e acabam tendo dificuldade para o agendamento (de
consultas)", diz Barbosa. "Hoje, nosso grande investimento é para o
atendimento ter uma fluidez maior. Em alguns lugares ainda temos dificuldades,
como o Rio de Janeiro."
Sem recursos
No braço
carioca do Grupo Pela Vidda, a visita da BBC Brasil durante um encontro de
ativistas desencadeia uma sessão de denúncias. Todos soropositivos, eles vêm
sofrendo na pele problemas como a falta exames para monitorar a efetividade do
tratamento.
Os exames
para testar a imunidade e a carga viral devem ser feitos a cada três ou quatro
meses, informa o Ministério da Saúde. No Rio, eles dizem conseguir fazer em
média uma vez por ano, e muitas vezes têm o tratamento modificado pelo médico
"às cegas", sem ter o resultado do exame para guiar a mudança.
Apesar da
importância que tiveram na elaboração da resposta nacional à Aids, ONGs como a
Abia e a Pela Vidda sobrevivem com dificuldades, e muitas estão fechando as
portas.
Os
motivos são plenos de contradições. O Brasil cresceu e pulou de categoria:
passou de país de baixa e média renda para nação de alta e média renda, e
deixou de ser elegível para doações de instituições filantrópicas. Passou de
receptor a doador.
As ONGs
se queixam de que o governo não compensou por essa fuga de capitais, e elas
ficaram sem recursos. O problema maior, entretanto, parece ser que os recursos
disponíveis não chegam a elas.
Eduardo
Barbosa diz que o governo federal repassa R$ 10 milhões por ano para projetos
de ONGs, mas parte da verba fica parada. "Existe uma grande dificuldade
dos Estados de fazer parcerias com as ONGs por conta de problemas de
certificação", diz.
Pedro
Chequer estima que aproximadamente R$ 150 milhões destinados às ONGs estejam
parados nos cofres dos Estados, acumulados.
"Há
necessidade de mais dinheiro, mas Estados e municípios não têm capacidade
operativa de usar os recursos que o governo federal repassa. Isso é grave,
sinaliza um descaso com a saúde pública. Recurso parado significa postergar a
ação, às vezes ao ponto de o paciente ter um diagnóstico tardio. Um diagnóstico
tardio é uma grande perda", diz.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/07/120724_aids_programa_brasil_jc_ac.shtml